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Dicas de Escrita

Para que serve a literatura?

Hoje aprendi um acrônimo novo que supostamente pretende dar conta do mundo caótico que habitamos. Mal havia superado o feioso VUCA (do inglês: volatility, uncertainty, complexity, ambiguity – ou volátil, incerto, complexo e ambíguo), eis que sou apresentada ao BANI (também do inglês: brittle, anxious, non linear, incomprehensible – ou frágil, ansioso, não linear e incompreensível). O tal mundo BANI reflete a realidade das sociedades após a pandemia, que parece não ter fim nunca.

Não é preciso ser sociólogo ou antropólogo, menos ainda perito em acrônimos, para compreender minimamente a realidade que nos atropela todos os dias. Para lidar com essa realidade, uma das estratégias que usamos é tentar dar sentido às coisas. Mais que sentido, utilidade. Se algo não é útil, descartamos. Não temos tempo a perder, como diria Renato Russo. Queremos tudo pronto, para consumo imediato.

Como fica a literatura em meio a isso, já que ela vai na contramão dessa aceleração toda? Para que serve a literatura em um mundo frenético, confuso e permeado de incertezas?

Mais que entreter – e para isso há opções mais rápidas e fáceis por aí –, a literatura permite viver experiências variadas, que aumentam nosso próprio repertório existencial. Recordo-me das sensações que tive ainda criança ao ler o clássico O pequeno príncipe, imaginando as aventuras de um menino num asteroide com sua rosa vermelha e vulcões. Quando o reli, mais tarde, com olhos de adulta, os sentimentos evocados no meu eu menina ainda estavam lá. Lembro também de conhecer um Rio de Janeiro imaginado, narrado a partir das descrições de Machado de Assis. Duvido que algum leitor de Dom Casmurro não tenha sua própria imagem mental do sobrado na Rua de Matacavalos, onde Bentinho viveu e conheceu Capitu.

A literatura humaniza, segundo Antônio Cândido, ao nos fazer vivenciar diferentes realidades e situações. A (boa) literatura apresenta livremente nossas luzes e sombras, o bem e o mal, permitindo maior abertura à natureza, à sociedade e ao semelhante. Um personagem factível tem alegrias, angústias e dores semelhantes às minhas, portanto me sinto por ele representada. A dor é a do personagem, inventada, mas pode ser a minha, a sua, a de todo ser humano.

A literatura tem, ainda, um papel libertador. Segundo Vargas Llosa, inventar histórias é exercer a liberdade e lutar contra os que pretendem aboli-la. A literatura pode ser um importante meio de denúncia social, de resistência e libertação da opressão. Não à toa, a história nos apresenta diversos exemplos de cerceamento dessa função libertadora da literatura em forma de censura.

Enumerar funções, usos e vantagens para a literatura pode ser tarefa que retire dela sua beleza. Ela tem arrebanhado admiradores ao longo do tempo, cada qual com suas motivações próprias. E deve continuar conquistando apaixonados pela palavra, apesar da realidade caótica do mundo que parece querer outorgar-lhe papel secundário. Quando abro um livro, diferentes caminhos e possibilidades se abrem junto. Os acrônimos que pretendem dizer da realidade são vários, mudam o tempo inteiro. A literatura, por sua vez, tem algo de permanente que lhe é peculiar. Machado de Assis já não era vivo há muitos anos quando o li pela primeira vez. As angústias e fantasias paranoides de Bentinho, porém, continuam bastante atuais e descansam na minha estante até hoje.


Hélia Andrade é natural de São Luís/MA e residente em Brasília há treze anos. É psicóloga e servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT. Aluna do Curso Livre de Formação de Escritores, da Metamorfose. Participou da coletânea de contos do Selo Off Flip 2021, na qual teve um conto finalista.

 

 

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