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Para que serve a literatura?

Para que serve a literatura? Não há pergunta mais cretina. Mas também que mais me perturbe.

Já tentei justificar com várias pesquisas, estudos. "Estudo afirma que ler ficção aumenta a nossa capacidade empática", escrevi uma vez enquanto estagiava em uma revista científica. Meses mais tarde, faria uma matéria no mesmo lugar descrevendo como várias dessas "pesquisas" estavam, na verdade, erradas. "Estudos psicológicos são desmistificados após reproduções mal sucedidas". Era assim, mais ou menos, o título. Nenhuma delas havia sobrevivido à repetição dos métodos: mesmos experimentos, resultados diferentes.

Depois, tentei justificar com princípios e posições políticas. "Nem tudo precisa ser útil". "Isso é fruto do capitalismo, esse questionamento intermitente: pra que serve isso, pra que serve aquilo? Nem tudo serve. Nem tudo dá lucro".

Mas me parecia fraco. Não porque não acreditasse. Pelo contrário. Mas porque sempre tive esse problema: preciso convencer unanimemente. Se não a minha vozinha vai dizer que não encontrei razões o suficiente. E o desprezo dos tios utilitaristas, o encolher de ombros dos amigos frustrados, já era suficiente pra essa vozinha dizer novamente: "mas, realmente, pra que serve a literatura?".

Não gosto das respostas de sempre: "viver vidas diferentes", "conhecer realidades distintas" ou (a pior de todas) "viajar sem sair do lugar" — as órbitas dos olhos chegam a revirar e caem pelo taco de madeira.

Mas esses dias (que na pandemia, são mais meses do que dias), li em um texto as mesmas bateções de cabeça: Zadie Smith, escritora norte-americana, se perguntava "pra que escrevo? por que escrevo? de qual é a serventia?".

E depois de elucubrar por umas seis páginas e meia, ela disse algo que me agradou finalmente: por razões de preenchimento. Preencher o vazio do tempo. Preencher a mente repetida (essa gasta pelo vício do útil do capitalismo). Preencher o coração entorpecido.

Digo mais: não só para preencher, mas para dar peso. Peso ao tempo que não passa mais por passar, ao coração que não bate mais apenas por ser batido, mas que passa (ou bate) com uma noção de quem é ocupado, preenchido — esparramado. Não de utilidades. Mas de caprichos, fotografias e alguns tipos especiais de vazios.

A literatura dá consistência, densidade. Dá alguma coisa aos ponteiros do tempo, às cavidades do cérebro. A literatura dá peso às minhas agonias e alegrias vazias, que, se não fosse ela, passariam assim, batidas.


Júlio Viana é jornalista formado na ECA-USP, nascido em Campinas em 1994, mas criado em São Paulo. Já foi repórter da National Geographic, Galileu e outras revistas. Apesar de já ter escrito sobre temas exatos, prefere as dúvidas da literatura. Já teve blogs e um Medium, mas no momento escreve uma newsletter com crônicas, ensaios, poesia e contos, que você pode checar em https://instantaneosnageladeira.substack.com/.

 

 

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