Dicas de Escrita |
Ghost writer é um profissional que escreve livros, biografias, artigos e outros textos sob encomenda, mas que não recebe créditos de autoria pelo que escreve. Resumindo, ele cede seus direitos autorais para quem o contrata, se desligando de qualquer vÃnculo com os textos criados.
Para aprofundarmos sobre este trabalho que pode parecer um tanto inusitado para quem não conhece, entrevistamos três profissionais da comunicação e escritores que trabalham como ghost writers: André Roca, Caco Belmonte e Cinthia Dalla Valle. Eles rechearam este texto com suas experiências na área e com dicas para quem deseja trabalhar com isso. Confira!
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Cinthia Dalla Valle, André Roca e Caco Belmonte.
Mercado de trabalho para um ghost writer
O ghost writer tem um mercado em expansão a explorar. Segundo os entrevistados, as demandas podem ser inúmeras. André, que escreve biografias de pessoas vivas, lembra que o ghost writer tem a possibilidade de trabalhar para pessoa fÃsica ou jurÃdica. A pessoa fÃsica geralmente está interessada em alguém que consiga transformar suas memórias (ou as de algum parente) em um produto de alto valor afetivo, à s vezes com objetivo de ser distribuÃdo gratuitamente entre familiares e amigos, mas não raro com o desejo de comercializar. Já a pessoa jurÃdica costuma buscar no ghost writer alguém capaz de contar uma história de sucesso de modo a exaltar as qualidades dos realizadores ou da empresa, usando o texto (que pode virar um livro, um folder, um site etc.) para marcar uma data importante (aniversário da empresa ou do fundador, por exemplo).
Cinthia levanta as seguintes oportunidades: escrever artigos para alimentar sites e blogs de empresas ou profissionais que não têm tempo ou não gostam de escrever. Hoje, o conteúdo é uma obrigação para as marcas que buscam um crescimento constante, seja nos sites e blogs, seja nas redes sociais. Além disso, existem profissionais bastante conhecidos que assinam contrato com grandes editoras que precisam do ghost writer para escrever suas biografias ou livros técnicos. O ghost writer pega as ideias e o conteúdo do cliente e escreve como se fosse ele, transformando essa matéria-prima em textos.
Caco, por sua vez, costuma ter como principais demandas biografias e livros-reportagem. Também já produziu um livro autoral de memórias “escrito” por um jornalista conhecido, obras que contam a trajetória de grandes empresas ou que narram a biografia de patriarcas bem-sucedidos, um livro sobre acontecimentos importantes na vida de alguém, como memórias de viagem e até experiências de cunho espiritualista ou mÃstico. O cliente tem uma boa história para contar e não sabe como. Pode ser relato de viagem, biografia de parente ilustre falecido e não contemplado com obra memorialista, histórias de famÃlia, grandes empresas que desejam produzir livro institucional, relatos autobiográficos, depende.
Dicas para trabalhar como ghost writer
A principal dica, segundo André, é trabalhar a empatia na hora das entrevistas que vão gerar o conteúdo a ser escrito, se preparar estudando a pessoa ou a empresa, buscar fontes diversas e entender que tipo de produto o cliente quer, se algo objetivo, mais jornalÃstico, ou algo mais literário. Depois é estabelecer um cronograma e seguir à risca. Sobre anonimato, é parte do trabalho de um ghost writer, mas isso não significa que não seja possÃvel ter o nome numa obra, ao menos da ficha catalográfica, para que sirva de comprovação pelo trabalho realizado. Tudo vai depender da negociação com o cliente e das pretensões do autor.
Sobre a formação ideal para exercer este ofÃcio, Caco aponta que, apesar da existência dos longevos cursos universitários de Letras e dos recentes cursos de graduação e pós em escrita criativa, boa parte dos profissionais que ele conhece que atua como ghost são oriundos do jornalismo. Isso acontece porque a demanda de livros por encomenda passa longe da literatura ficcional. Leva vantagem quem é oriundo das faculdades de Letras ou Comunicação, jornalismo e propaganda. Contudo, se houver qualificação acadêmica e pouca capacidade prática de conduzir uma narrativa bem estruturada, caso seja um teórico das letras, pessoa acostumada a lidar com literatura comparada e quase nenhuma produção autoral fora das dissertações e teses acadêmicas, dificilmente irá conseguir desempenhar a função. Um jornalista acostumado a textos longos e pesquisas para reportagens de fôlego já arranca com alguma vantagem sobre o literato.
Cinthia lembra da importância de conhecer bem e “entrar na mente e no coração” do cliente. Somente assim, o ghost writer é capaz de passar a verdade da pessoa através dos textos. Para isso, é importante captar a voz do cliente, ouvi-lo falando, saber como ele escreve, como se expressa no dia a dia (jeito de falar, expressões que usa, gestos que acompanham a fala), quais são as suas bandeiras (no que acredita, pelo que luta e se dedica, o que ama e o que odeia, o que quer e o que não quer). Principalmente para trabalhos contÃnuos, o ghost writer não pode se limitar a uma entrevista com o cliente. Ele precisa acompanhá-lo no dia a dia para escrever como se fosse ele escrevendo. Além disso, é fundamental saber com quem seu cliente fala, ou seja, quais as suas personas ou público.
Outra dica lembrada por ela é não abrir mão de um contrato com o cliente contendo todas as cláusulas importantes para ambas as partes, tais como: como tempo estimado para a entrega do trabalho, direitos autorais e responsabilidades, valor a ser pago, entre outros.
Como dica para o ghost writer, Caco cita a importância de beber de várias fontes de pesquisa e inspiração. Via de regra, qualquer texto não-ficcional é material de trabalho para o ghost.
Prós e contras de se trabalhar como ghost writer
Prós
Cinthia aponta a diversidade de temas como sendo uma das principais vantagens de se trabalhar como ghost writer. Durante o perÃodo que dura cada trabalho, o escritor tem a oportunidade de pesquisar e saber sobre um determinado assunto em profundidade, aumentando seus conhecimentos e, inclusive, sua capacidade de escrever sobre o que for demandado.
Segundo ela, outra oportunidade para o ghost writer é gerenciar o próprio tempo, assim como para outros profissionais freelancers. Porém, essa vantagem pode ser facilmente transformada em contra se o profissional não souber mensurar, antes de começar, o tempo que vai levar para concluir determinado trabalho. Isso reflete no valor cobrado, na disposição do autor para escrever e no resultado.
Caco lembra que o trabalho como ghost writer é uma alternativa frente a possÃveis dificuldades de se recolocar no mercado de trabalho. Ele, por exemplo, foi levado à reinvenção pelo desemprego e a impossibilidade de se recolocar no mercado formal como jornalista. Há cinco anos, ele sobrevive de freelancer, o que antigamente chamávamos biscateiro. Hoje, o biscateiro é um praticamente um herói nacional e foi até promovido, ascendeu socialmente com a pejotização. Segundo as próprias palavras do autor: “Eu sou um redator pirata que trabalha por carta de corso, missão após missão.”
Contras
André lembra que é um trabalho muito difÃcil, mas prazeroso. Precisamos sentir como se nós fôssemos o outro, buscando possibilidades de contar a história da mesma forma que essa pessoa contaria. É claro que há um distanciamento, pois o que o autor tem são recortes para trabalhar em cima com a sua arte.
Segundo a Cinthia, o ghost writer precisa aprender a engolir o ego, aquela vontade de mostrar seus textos para os outros, de ganhar os aplausos pela autoria e tudo o que envolve a exposição como escritor. Mas também pode ser encarado como um problema bom, à medida em que nos ensina a escrever bem sem esperar reconhecimento, pelo menos não do público em geral.
Em relação ao mesmo assunto, Caco afirma que a questão da vaidade já foi superada faz tempo. Para ele, não há problema algum em lidar com o anonimato. Outros escritores, melhores e mais preciosos, já vieram e foram completamente esquecidos. “Tenho a minha obra autoral, mixuruca, mas é o tempo quem vai dizer quais são os autores definitivos. Isso não compete a nós, escritores.”
Cinthia lembra ainda do desafio de se obter provas sociais (depoimentos de clientes, indicações em redes sociais) porque o ghost writer, a não ser que o cliente concorde em colocar o nome do profissional nas obras, não aparece como autor do trabalho. Isso dificulta a comunicação e a conquista de novos clientes. Por isso, é importante que o velho boca a boca aconteça, mesmo que não publicamente. Isso só é possÃvel através de um trabalho entregue com qualidade e de um relacionamento saudável com o seu cliente.
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