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A escrita de ensaios e resenhas

Nesta conversa, Gustavo Czekster escritor e professor do Curso Livre de Formação de Escritores da Metamorfose, e Franklin Cunha, médico e escritor de cinco livros de ensaios, explicam o que é ensaio e o que é resenha e falam sobre as diferenças e a importância destes tipos de textos para os dias atuais. Confira abaixo a entrevista completa:

Para começar, como você define textos de ensaios e de resenhas e quais as principais características de cada um?

Franklin Cunha: Resenha é uma sinopse geral do que de fundamental ocorreu em determinado período, em matéria de noticiário”


Franklin Cunha


Diferente do ensaio, em geral o resenhista não toma posições ou externa opiniões sobre qualquer tema. Ele apenas descreve um fato conforme sua interpretação. O bom resenhista procura ser o mais isento possível ao não externar suas convicções pessoais ou da classe social a que pertence.

Particularmente, penso que essas duas condições, são muito difíceis de ser encontradas mesmo nos melhores resenhistas profissionais.


Gustavo Czekster: Um ensaio é uma argumentação escrita sobre um ou vários tópicos, sendo um texto articulado em torno do desejo do autor de defender ou atacar alguma ideia ou ponto de vista. A capacidade de articulação dos próprios pensamentos, assim como a erudição, o conhecimento e a maneira com que um ensaio é construído acabam sendo decisivos para o seu sucesso, pois não é um texto nem repleto de academicismos e nem literário, girando em torno de algo que sempre seduziu a Humanidade: a capacidade de ter um bom diálogo sem necessariamente concordar ou discordar do debatedor.


Gustavo Czekster


Uma resenha é um posicionamento crítico a respeito de alguma obra, de qualquer gênero artístico (literatura, cinema, dança, teatro, pintura), no qual o resenhista expõe os elementos básicos da obra e, ao mesmo tempo, apresenta a sua opinião a respeito dela. Ao contrário do ensaio, que pode versar sobre qualquer tema – e até mesmo sobre arte -, a resenha circunscreve-se a uma obra, que é analisada de um ponto de vista pessoal por parte do resenhista, podendo ser mais teórica, mais prática ou meramente destacar as sensações e sentimentos evocados pela obra.


Quais os formatos existentes de resenha e de ensaio?

Franklin Cunha: Há diversos tipos de ensaios. Listo alguns: literários, Históricos, Psicológicos, Musicais, Etnológicos, Médicos, Jurídicos, Cinematográficos ou de qualquer ramo das artes plásticas, teatrais etc.

Sintetizando, em especial no ensaísmo brasileiro, parece-me que há três tipos fundamentais:

1. O ensaio subjetivo – fantasioso, pessoal, egotista – o familiar essay dos ingleses, por estar ligado à imprensa periódica, tem muitos leitores no público em geral.

2. O ensaio crítico, em geral uma discussão estética de um fato literário sob a forma de notícias, análises, resenhas, prefácios, resumos, apresentações, análises de forma e conteúdo dos textos visados.

3. O ensaio descritivo, narrativo, e interpretativo da forma estética, cuja exposição não seja apenas uma visão personalista e subjetiva da obra. Alguns deles:

a) Descrição de costumes e de memórias

b) Aforismos, máximas, provérbios, polêmicas, sátiras, cartas abertas, panfletos, defesas de teses, interpretações de leis.


Gustavo Czekster: Ambos possuem formatos mais livres do que, por exemplo, um texto teórico ou acadêmico. São textos de opinião e, por serem assim, admitem muitos tipos de formatos e de estruturas, pois o mais importante é saber com clareza qual opinião está sendo transmitida. No seu texto clássico sobre o ensaio, “O ensaio como forma”, Adorno inclusive diz que a característica mais importante do ensaio é justamente não ter forma pré-definida, pois isso faz com que cada texto ensaístico tenha a sua própria maneira de comunicar a ideia defendida pelo autor.

A resenha também possui formato mais livre, e algumas oscilam entre um tom acadêmico ou professoral até outras completamente impressionistas e calcadas nos gostos pessoais do resenhista. O critério mais buscado por uma resenha é a sua eficácia ao transmitir uma opinião para o leitor e, neste sentido, qualquer tipo de forma é possível, baseando-se mais no estilo pessoal do resenhista do que propriamente em um modelo já ajustado.


Você vê transformações na estrutura dos ensaios e das resenhas dentro da Literatura contemporânea? Quais são elas?

Franklin Cunha: “Uma das vigas mestras da arte do ensaio tem sido suas condições polêmicas, estratégicas e guerreiras”. Christian Ferrer, sociólogo e ensaista argentino, anarquista, especializado em filosofia da técnica, preso e torturado pela ditadura argentina.

Há outras definições do gênero literário definido como Ensaio. O termo tem relações com a química e talvez com o teatro. Nessas duas atividades, os ensaios são experimentos que podem ter resultados incertos e às vezes surpreendentes. até mesmo explosivos. Os ensaios com partículas radioativas, por exemplo, resultaram na bomba atômica. Certas peças de teatro, que exigem muitos ensaios, ao se apresentarem ao mundo, podem desmascarar e mostrar a face cruel de regimes de força. A peça Gota d’água de Oduvaldo Viana Filho, que adaptara a peça grega clássica de Eurípedes sobre o mito de Medeia foi censurada durante a ditadura militar do Brasil. E Antígona de Sófocles foi proibida na ditadura de Oliveira Salazar em Portugal. Na Alemanha nazista, as peças de Brecht foram eliminadas das agendas dos teatros de todo o país.


O criador do gênero ensaio foi Michel de Montaigne (1533-1592), um nobre, pai do ceticismo moderno e da inconformidade com as condições sociais de sua época. Mas, como disse Christian Ferrer sobre a obra Radiografia de la Pampa de Ezequiel Martinez Estrada, podemos dizer o mesmo de Montaigne: ambos atuaram como fidedignos radiologistas que fazem o diagnóstico, mas não apontam a cura.

O gênero foi quase esquecido por mais de cem anos, mas veio reviver na Inglaterra paralelamente ao início da industrialização. É que esta deu origem ao operariado urbano, às lutas por melhores condições de trabalho, às reivindicações salariais, aos sindicatos, às greves e como subproduto aos ensaios e aos ensaístas os quais retratavam as novas e complicadas condições sociais do país. É claro que estas não podiam ser contestadas e criticadas com crônicas e poesias. “Poesia numa hora dessas” (L.F. Veríssimo), não tem suficiente força para produzir diagnósticos e terapêuticas precisas do que se passa no chão das fábricas, nas praças nas ruas e nos debates sindicais.

Assim se explica o surgimento na Inglaterra do século XVIII o grande número e a alta qualidade crítica dos ensaístas de língua inglesa (inclusive, por osmose, nos EEUU). Alguns dos melhores: Francis Bacon, John Locke, Alexandre Poppe, Daniel Defoe, Jonathan Swift, David Hume, Thomas Carlyle, sem esquecer já no século XX de George Bernard Shaw que fazia de suas peças de teatro com longos prefácios e posfácios, lúcidos e agudos ensaios sociológicos e políticos.

Enfim, penso que no momento difícil que vivemos em nosso país, impregnado de ameaças, de elaborados sentimentos de ódio, de uma situação, segundo Maria Rita Kehl “esquizofrenizada” de parte da população, numa hora dessas, precisamos, como diz Christian Ferrer, praticar prioritária e urgentemente a arte do ensaio com suas inerentes condições polêmicas, estratégicas e guerreiras.


Gustavo Czekster: As redes sociais permitiram que muitas pessoas viessem a público expor as suas opiniões, elogios e críticas, e isso repercutiu nas estruturas dos ensaios e das resenhas. Muitos “textões” escritos nas redes sociais são mini-ensaios, apresentando os elementos característicos de um, mas sem uma evolução mais detalhada ou argumentos que vão um pouco além de uma análise superficial.

Da mesma forma, as resenhas – que antes estavam restritas a reduzidos espaços na mídia escrita – acabaram ganhando versões em vídeo e, por causa da existência de booktubers, instagramers e influenciadores digitais, passaram a ser inclusive um canal de veiculação de obras artísticas. Assim como ocorre com outros textos, o importante mesmo na literatura contemporânea é a habilidade com que um ensaio ou uma resenha é escrita, assim como a capacidade do autor ou autora de se posicionar de forma aberta para o diálogo com os leitores. Em um mundo repleto de informações, aqueles que melhor souberem se expressar e que tiverem uma abertura maior para os pontos de vista alheios são aqueles cujos ensaios e resenhas serão buscados pelos leitores interessados a debaterem, não a receberem uma opinião e serem obrigados a aceitá-la.


Quais as razões para que o ensaio, uma forma de texto surgida no século XVI, esteja conquistando cada vez mais leitores?

Franklin Cunha: A novidade que nos traz o gênero ensaio é de se fazer filosofia como não se conhecesse a filosofia. É como filosofar espontaneamente. Não é casual que o ensaio surja com Montaigne no século XVI, etapa histórica na qual se contesta o sistema filosófico da escolástica medieval e no horizonte surge o novo sistema filosófico científico que se inicia com Descartes.

E com a ciência dois séculos depois de Montaigne, surge a tecnologia, a máquina, a industrialização. E foi na Inglaterra que o gênero foi reinventado, pois a industrialização gerou a concentração populacional urbana, o operariado, as lutas sindicais, as greves reivindicatórias, as lutas operárias, os panfletos e os autores de ensaios, gênero guerreiro, como se sabe.

Estas conjunções históricas geraram o iluminismo que se desenvolveu nos dois séculos posteriores em detrimento do classicismo e do romantismo, condições estranhas ao ensaio.

A era das ciências em que o mundo mergulhou, gerou também reações contrárias aos efeitos das conquistas científicas que, como sabemos, são ora benéficos, ora maléficos tanto ao homem como à natureza. As relações entre o ensaio e a ciência não resultam em absolutas autossuficiências e certezas dogmáticas. Hoje se sabe que a ciência não faz outra coisa a não ser ensaiar possíveis soluções para os problemas e submeter esses ensaios ao mais estrito controle e possível negação (Karl Popper).

A caraterística do ensaio é a de fazer perguntas, mais do que dar respostas, de colocar problemas, mais do que dar soluções. A epistemologia moderna nos ensina que o conhecimento científico é questionador por natureza e que não começa apresentando dados ou fatos, mas com problemas, com hipóteses, com tentativas.

Enfim, sintomaticamente, o gênero ensaio é atual e conquista mais leitores pois representa um papel decisivo nas teorias científicas da atualidade, onde a fé no transcendente não é mais necessária (e mesmo inútil e deletéria) pra a evolução material, social, intelectual e psíquica da humanidade.


Gustavo Czekster: As pessoas estão cercadas por textos mal escritos que expressam opiniões grosseiras, superficiais, violentas ou infantis. Isso leva o leitor mais exigente a buscar textos opinativos que tenham capacidade argumentativa, que saibam olhar para vários lados de um assunto, que sejam capazes de entreter e fazer pensar.

O ensaio bem escrito é informativo sem ser pedante, engraçado sem ser cômico, provocativo sem ser contundente. Ele suscita a reflexão sem pretender impor uma visão de mundo e, ao mesmo tempo, proporciona um alívio intelectual para o leitor disposto a ler um texto que o informe sem o ranço midiático dos jornais e sem o excessivo academicismo típico das instituições de ensino.


Quais obras você sugere para quem está iniciando ou quer se aprimorar nestes tipos de textos?

Franklin Cunha: Qualquer um ou todos os meus livros de ensaios (desculpe a modéstia).
> O livro clássico de Michel de Montaigne, o criador do gênero. Há uma revista só dedicada a ensaios; SERROTE, publicada pelo Instituto Moreira Salles, Avenida Paulista 1294, 14º andar, S.Paulo, fone 11. 3371-4497 - www.ims.com.br.
> Qualquer livro do Otto Maria Carpeaux;
> Qualquer livro do José Guilherme Merquior (P.Ex.: CRÍTICA – Ensaios sobre arte e literatura – Ed.Nova Fronteira – 1990);
> Ensaios de História Política do Sérgio da Costa Franco, ed. Pradense, 2013;
> Os donos do poder - Raymundo Faoro (há diversas edições);
> Casa Grande e Senzala – Gilberto freire (diversas edições);
> Escritos sobre escritos, ciudades bajo ciudades do Juan José Sebreli, Ed. Sudamericana, B.Aires, 1997 (tenho cerca de doze livros dele, todos com grandes e excelentes ensaios);
> Filosofia política del poder mediático do José Pablo Feinmann, Ed. Planeta, B. Aires, 2013. Este e o Sebreli são grandes e eruditos ensaístas, gênero mais sofisticado e abundante na Argentina, comparado com o Brasil. Somos um país de cronistas, gênero leve e com raros compromissos políticos e sociais.
> Não esquecer: Luis Fernando Veríssimo, que julgam ser apenas um cronista, mas que é um sólido e incisivo ensaísta.
> Cometo a injustiça de não citar muitos de grande qualidade intelectual como p. ex., o nosso valente e lúcido Juremir Machado da Silva e muito outros mais.


Gustavo Czekster: Existem excelentes ensaístas que podem ser lidos e que são relativamente fáceis de encontrar, com a vantagem de que o ensaio bem escrito vence os limites da época da sua produção, parecendo ter sido escrito em dias atuais.

Para quem quiser conhecer os estilos de alguns ensaístas, sugiro a leitura dos ensaios de Chesterton, de Marguerite Yourcenar, de Virginia Woolf, de Henry James, de George Orwell, de Italo Calvino, de José Castello, além de os ensaios do criador do gênero, o filósofo Michel de Montaigne.

Um local que disponibiliza ensaios contemporâneos sobre temas bem atuais é a Pequena Biblioteca de Ensaios, da Zazie Edições, só disponíveis na internet, no site http://www.zazie.com.br/pequena-biblioteca-de-ensaios. Para quem quiser ter um bom panorama teórico do ensaio, pode-se ler “Doze ensaios sobre o ensaio”, editado pela Serrote, além do ensaio do Adorno que mencionei.

entrevista com Gustavo Czekster e Franklin Cunha

 

 

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