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Prosa Poética: uma breve reflexão sobre o tema

Hoje considerada um estilo híbrido, entre a prosa e a poesia, a prosa poética tem sua origem na Idade Média, antes do nascimento da prosa narrativa como conhecemos. Também não podemos esquecer que a primeira forma de expressão literária foi o discurso metrificado. Enquanto prosa irá primeiro aparecer em estudos filosóficos e depois no romance grego, sendo na Renascença o florescer da narrativa em prosa, livre do rigor rítmico, de acordo com os princípios da época.

Já na prosa poética “moderna”, a musicalidade e o uso das figuras de linguagem ainda estão em primeiro plano, mas também já abandona a metrificação. Isto é, levamos em consideração primeiro a sonoridade, a função imagética, a semiótica, a marcação de pausas, a melodia, e não a fruição semântica da narrativa, mas iremos nos utilizar igualmente da forma e do discurso que avança para compor o texto em prosa poética.

Vejamos alguns exemplos:

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." - Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa

“É requinte de saciados testar a virtude da paciência com a fome de terceiros." - Raduan Nassar, em Lavoura Arcaica

“Nesses dias intermináveis venho vasculhando minha memória, essa velha quinquilharia da alma, como quem tateia paredes de vapor.” - Desventos, de Rafael Figueiredo

Nestes três exemplos percebemos o uso das figuras de linguagem combinados à musicalidade se sobreporem ao foco narrativo. Assim, a prosa poética é um excelente recurso na arte de contar histórias, criando não apenas um universo ficcional, mas também um ambiente poético a envolver o leitor.

Podemos dizer que mesmo que a intenção seja compor um texto em prosa, a poesia apresenta diversos recursos importantes para qualquer escritor. Talvez uma das mais importantes seja a capacidade de síntese do poeta. Essa habilidade se desenvolve a partir da escrita poética e pode ser uma excelente ferramenta na escrita da narrativa.

Este foi o principal recurso estilístico que usei quando escrevi meu primeiro livro, Desventos. Inicialmente nunca tinha imaginado escrever uma narrativa longa, pois vinha do campo do poema e da letra de música, achava que o romance era inatingível para mim. O principal motivo era que estava acostumado ao “espaço curto” da síntese poética em textos breves. E o que poderia ser a grande diferença no meu texto se tornava uma espécie de bloqueio criativo. O resultado foi que reescrevi o mesmo livro três vezes. E foi apenas na terceira que decidi não lutar mais contra o poeta, e percebi que as duas coisas, de certa forma, se completavam. Desde então venho me dedicando cada vez mais a entender e praticar a linguagem poética, longe dos contornos da definição. Quero dizer, mesmo que não seja possível desvincular minha escrita da poesia, a própria poesia não se limita a nenhuma estética definida. Pois em tudo pode haver poesia, é um tipo de percepção, uma linguagem. E como tal tem sua própria gramática.

Por último gostaria de destacar que é importante não confundir a prosa poética com o poema em prosa. Este, apesar de fazer uso de todas as características da poesia, difere da prosa poética por propor ritmo, quebras e elipses.

Veja o exemplo:

“Sou um efêmero e não muito descontente cidadão de uma metrópole considerada moderna porque todo estilo conhecido foi excluído das mobílias e do exterior das casas bem como do plano da cidade. Aqui você não encontrará o menor sinal de nenhum monumento de superstição. A moral e a língua estão reduzidas às expressões mais simples, enfim! Estes milhões de pessoas que nem tem necessidade de se conhecer levam a educação, o trabalho e a velhice de um modo tão igual que sua expectativa de vida é muitas vezes mais curta do que uma estatística louca encontrou para os povos do continente. Assim como, de minha janela, vejo espectros novos rolando pela espessa e eterna fumaça de carvão, — nossa sombra dos bosques, nossa noite de verão! — as Erínias novas, na porta da cabana que é minha pátria e meu coração, já que tudo aqui parece isto, — Morte sem lágrimas, nossa filha ativa e serva, um Amor desesperado, e um Crime bonito gemendo na lama da rua.” – Cidade, – de Arthur Rimbaud

Perceba que, apesar da semelhança com a prosa, também não pertence ao campo da narrativa por não ser um discurso que avança, mas uma expressão do lírico que se utiliza da forma narrativa para criar um “campo” poético.

Então, se a nossa intenção for unir a poesia ao universo da prosa, é preciso antes compreender estas sutis diferenças e semelhanças entre a prosa poética, o poema em prosa, e a própria poesia narrativa.

Rafael Figueiredo

 

 

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