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O que é a tal veia poética?

Nessa conversa com o escritor e professor da Metamorfose, Dilan Camargo, você vai descobrir finalmente o que é que a veia poética tem. E o mais importante, você vai descobrir que pode não ser tão difícil se tornar um poeta.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Certa vez, você comentou que, para escrever poesia, a ideia não é o centro das atenções. Qual é a coisa mais importante na poesia, então?

A palavra. Os que um dia despertam para a necessidade de escrever poesia e que se interessam em buscar conhecimentos sobre a arte poética, vão ouvir de alguém, que repete já não se sabe quem, que não se faz poesia com ideias, mas com palavras.

A literatura pode ser compreendida como a arte da palavra. E essa arte não é uma dádiva dos deuses. É uma habilidade verbal a ser exercitada e constantemente aprimorada. E isso, através da leitura de poesia, de todos os tipos, de todos os poetas, desde clássicos, vanguardistas, da música popular, do folclore. Nessa leitura, cada um vai descobrir identificações, admirações e, através da sua escrita pessoal e regular, terá que encontrar a sua própria voz. Sobre isso Fernando Pessoa foi definitivo ao dizer que um “poema é a projeção de uma ideia em palavras através da emoção.”

Sabemos que a poesia é um gênero muito diverso. Mas que elementos podemos apontar que estão presentes em toda a poesia contemporânea?

Um poema é um jogo de palavras, um arranjo de palavras. Em toda poesia, seja contemporânea, clássica, antiga, sempre há e terá que haver basicamente três elementos que nela predominem. É o que nos ensina o poeta Armindo Trevisan no ensaio “A Poesia: uma necessidade para o homem contemporâneo” em seu livro Ler por Dentro (Pradense 2010). Diz ele: Elas têm que ser arranjadas de maneira que três coisas sobressaiam: a sonoridade das palavras, o ritmo das palavras, a capacidade que as palavras têm de sugerir imagens novas”.

Valho-me também de um autor como Johan Huizinga, em seu livro “Homo Ludens”, em que enfatiza sobretudo a natureza lúdica, de jogo, da poesia. Para ele, nesse jogo de palavras, a linguagem poética “ordena-as de maneira harmoniosa, e injeta mistério em cada uma delas, de modo tal que cada imagem passa a encerrar a solução de um enigma”. Sobre isso, é bom lembrar que Carlos Drummond de Andrade deu a um dos seus livros o título de “Claro Enigma”.

Para quem não está acostumado a escrever poesia, qual a tua dica para iniciar neste ofício?

Escrever poesia é uma decisão ética e estética. É um compromisso consigo mesmo de criar arte com palavras. O poeta não precisa nem explicar por que escreve poesia, mas tem que sentir que isso é uma necessidade para a sua vida.

Essa necessidade profunda e exigente é que vai determinar o grau de comprometimento de alguém para começar a se dedicar à poesia sem esperar nada dela. Essa pessoa precisa cuidar da sua formação poética. Tem que estudar poesia. Tem que desenvolver a sua sensibilidade humana, e adquirir o domínio da “técnica poética”.

Além de saber escrever versos, deve arriscar-se na pura imaginação diante de um objeto, de uma cena, de uma paisagem física ou interior, e criar metáforas. Cada vez que for escrever, perguntar-se: o que tenho a dizer e como dizer numa forma em que alguém nunca escreveu antes? Mas não perder a liberdade e nem a alegria. Simplesmente, escreva!

Quais são os maiores desafios para escrever poesia?

Primeiro, vencer o medo de criar. Depois, evitar comparar-se com os grandes poetas da literatura universal e brasileira. Paciência para engendrar. Engenho e Arte, já diziam os antigos. Coragem de se entregar ao devaneio para alcançar o dom da metamorfose.

Os poetas são os guardiães das transformações, num mundo que proíbe cada mais e mais as metamorfoses. Isso nos ensina Elias Canetti em seu discurso “O ofício do poeta”, no livro A Consciência das Palavras. E, como entendo, de Bachelard, em “A poética do devaneio”, o poeta precisa cultivar e desenvolver o seu estado poético através da “intencionalidade da imaginação poética”. Picasso dizia que a inspiração existe, mas que ela tem que te encontrar trabalhando. Isto significa que não se pode ficar esperando pela inspiração. Mais do que escrever e ficar satisfeito com a primeira versão, o importante é reescrever, reescrever.

Se eu me preocupar com as rimas e com o formato que a poesia deve ter, como vou deixar a criatividade fluir para escrever o texto? Qual é a tua dica para este conflito?

Se alguém pretende escrever um poema com rimas, com versos metrificados, e seguindo a estrutura de estrofes, com as chamadas formas fixas de poesia, como um soneto, não vai poder fugir desse formato e dessas exigências. Vai ter que exercer a sua criatividade dentro desses limites. E, por estranho que pareça, nessas condições é que ele poderá demonstrar a sua autêntica criatividade.

A criatividade não é simplesmente dar curso à espontaneidade, deixar fluir, mas ter o controle do seu fazer literário com inventividade e com rigor. Mesmo sem seguir os formatos clássicos, o poeta precisará dar uma forma ao seu “artefato verbal”. Terá que criar uma forma. Ninguém inventa o novo, a não ser os gênios, que geralmente não o criam de modo consciente.

Qual é o papel da poesia contada ou interpretada? O que a interpretação agrega à poesia escrita?

A interpretação de um poema, ou como se costuma chamar de “declamação”, e mesmo a leitura em voz alta, deve recriar o poema, expandindo e ampliando, pela voz, os sentidos, as correlações, as emoções, as alusões das palavras, enfim, todas as suas potencialidades, procurando revelar a sua semântica poética. Tanto quanto possível encontrar o seu ritmo e os seus significados, aproximando-o da música. Sem cair no artificialismo e na grandiloquência de uma desnecessária dramaticidade.

A voz de um poema precisa ressoar diferenciada de todas as vozes cotidianas. Precisa representar a dimensão lírica, mítica, lúdica, de cada palavra. Hoje, em todo país, há uma quantidade incontável de recitais, saraus, dos mais variados tipos. Prova de que há um grande público interessado em dizer e ouvir poesia, mas os livros de poesia não vendem na mesma proporção. Para um poeta iniciante, é importante se aproximar e participar desses saraus, lendo seus poemas ou só ouvindo.

A poesia contemporânea parece ser menos presa à rima. Por quê?

Não diria que ela é menos presa à rima. A poesia contemporânea, ao menos a que conheço, libertou a rima da sua obrigação de fazer versos rimados em que as rimas são sonoridades avulsas, são rimas sem equivalência poética no verso e no contexto do poema. São rimas pela rima, e não rimas para acrescentar novos sentidos aos versos.

Tome-se, como exemplo, três poetas contemporâneos como Paulo Leminski, Armando Freitas Filho e Ricardo Silvestrin. São exímios rimadores. Mas como são originais, manejam as rimas com verdadeira criatividade, às vezes, até mesmo ocultando-as do leitor desatento. Vejam estes versos de Leminski: “Acaso é este encontro/ entre o tempo e o espaço/ mais do que um sonho que eu conto/ ou mais um poema que eu faço?” / E ainda são versos metrificados em redondilha maior.

Na sua opinião, letra de música é poesia? Por quê?

Esta é uma discussão recorrente. Vem da história das origens da poesia, desde as Cantigas de amor, as Cantigas de amigo, as Cantigas de escárnio, que eram recitadas acompanhadas por um instrumento musical, a lira, de porta em porta, de castelo a castelo, há séculos. Essas “poesias” eram criadas por trovadores que “achavam” os versos para colocá-los dentro das melodias. Mais adiante, de cantadas passaram a ser recitadas, quando ocorreu a primeira separação entre poesia e letra de música.

Porém, elas nasceram juntas e sempre voltam a se encontrar dependendo de uma série de fatores literários e musicais. Quando Bob Dylan recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, essa discussão voltou com força. A questão é complexa. Então, letra de música é poesia quando tem poesia, e poesia se torna uma letra quando for musicada, desde que com Arte. Sugiro a audição dos três CDs com poemas do livro “Mensagem” de Fernando Pessoa, esplendidamente musicados por André Luiz de Oliveira e cantados por um elenco dos/das melhores intérpretes da música popular brasileira. Uma preciosidade.

Como o gênero poesia tem se atualizado e como vem conquistando as novas gerações?

Embora a poesia se destine a uma imensa minoria, a quem o poeta Juan Ramón Jimenez dedicou um de seus livros, ela se reinventa e se mistura com todas as outras formas da arte. Ela se manifesta hoje também através de performances, dos meios digitais e virtuais, videoinstalações, em projeções de espetáculos de teatro e dança e na “batalha dos rappers”. Sempre que palavras forem representadas de modo diferente e que transcendam a linguagem funcional cotidiana, poderemos dizer que aí há poesia. É a linguagem surpreendente.

Novamente, Pessoa nos ensina que a poesia é cantar sem música. Para que isso aconteça, é preciso um ouvinte capacitado sensorialmente. Um poema é um bem literário a que todos deveriam ter acesso, pois é a riqueza linguística de uma comunidade, de uma sociedade. As novas gerações poderiam ser mais enriquecidas pela poesia se as famílias e as escolas a apresentassem e a estimulassem no dia a dia em casa e na sala de aula. Nestes tempos de predominância dos meios audiovisuais, tentam nos convencer que uma imagem vale mais que mil palavras. Sugiro a quem assim pensa que se coloque na seguinte situação: pergunte à pessoa amada “Você me ama?” O que gostaria de receber em resposta? Uma imagem visual ou simplesmente ouvir apenas três palavras “Eu te amo”? Imagino que todos um dia desejem ouvir essa pequena canção sem música.

E para terminar, um poema criado para a entrevista:

O QUE A VEIA POÉTICA TEM?
Dilan Camargo

O que a veia poética tem
ninguém sabe de onde vem
vem e vai da inspiração
como vai e vem o sangue
ao pulsar de um coração.

O que a veia poética tem
não vale nem um vintém
ninguém a quis ou a quer
só o poeta dá a vida
pelo pouco que ela der.

Dilan Camargo

 

 

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